terça-feira, 30 de junho de 2015

Mensagem para o sobrinho Giovanni

Como prometi, em resposta à sua mensagem pedindo minha opinião sobre uma eventual saída de casa e ida para longe, talvez para o exterior, vou tentar relatar alguns exemplos de empreitadas que se enquadram em seu questionamento e depois vou propor ideias para sua reflexão.
Vou me ater aos seguintes fatos:
    Saída do Oscar da Bahia;
    Minha saída de Campo Grande;
    Volta ao mundo de um engenheiro em bicicleta;
    Travessia do Atlântico pelo Amir Klink em canoa;
    Trabalho do Agton no Japão; e
    Passagem do Delaorzinho, Sabrina e Cynthia pela Austrália.
Saída do Oscar da Bahia
Em 1931, ao completar 18 anos, Oscar decidiu deixar a Bahia e buscar seu destino em estados mais promissores. Passou alguns meses em Minas Gerais trabalhando na lavoura. Depois seguiu para São Paulo, onde participou do desmatamento para a implantação de agricultura. O trabalho era pesado e realizado em condições adversas, com insuficiência de alimentação e salário baixíssimo.
Após a jornada paulista, ele seguiu para o Norte de Mato Grosso (à época, o segundo maior estado da Federação, pois ainda não tinha sido dividido), para trabalhar no garimpo de diamantes. Tratava-se de trabalho pesado, com a participação majoritária de aventureiros que não tiveram sucesso em suas regiões de origem. A atividade garimpeira se inseria em ambiente de incerteza na descoberta do mineral precioso, com salários insuficientes e com a predominância de lazer apoiado em farra, com bebida alcoólica e prostituição.
No final da década de 1930, Oscar seguiu para o Sul do estado e continuou trabalhando no garimpo, em Rochedo, Corguinho e Fala Verdade (Baianópolis). Nessa época, ele labutou também na agricultura e pecuária; conheceu e trabalhou com o fazendeiro Antonio Deolindo, chefe da família de sua futura esposa. Assim, no segundo semestre de 1944, casou-se com Zica, uma das filhas de Antonio.
O restante da história de seu avô Oscar, você conhece. Que razões podem ser atribuídas à prevalência de mais êxitos do que insucessos na vida do velho Oscar, mesmo tendo vivido sua aventura em circunstâncias tão desfavoráveis, e sem qualquer planejamento de vida? Acho que a resposta está em algumas características do perfil comportamental e físico de Oscar, cuja caracterização pode englobar:
   era muito forte, corajoso e trabalhador e, por isso, angariava respeito;
   não mentia, agia com correção e decência e era, portanto, confiável;
   não bebia, não participava de farras e era conservador nas horas de lazer; e
   não fazia compromissos que não pudesse cumprir e, particularmente, não contraía dívidas.
Atribuo a esses atributos os fundamentos para que Oscar tenha garantido o respeito de quantos o conheceram ao longo de sua vida. Esses fundamentos respondem também pelo sucesso profissional e familiar que ele angariou em sua trajetória que, não raro, teve situações de ousadia e aventura — êxitos modestos em uma análise ampla, porém, enormes se consideradas sua origem e seu grau de escolaridade.
Minha saída de Campo Grande
Em 1965, estava com os quatro manos em Campo Grande. Àquela época, cheguei à conclusão de que cinco filhos dando despesa para os pais era uma responsabilidade financeira enorme. Se eu tivesse uma maneira de não depender de papai e mamãe, possivelmente, os manos seriam beneficiados. Então, decidi tentar sair de Mato Grosso em busca de meu destino.
Uma das formas de quebrar a dependência financeira dos pais era o ingresso nas Forças Armadas. Percebi que poderia tentar ser aviador e também engenheiro. Fiz o concurso para a Escola Preparatória de Cadetes do Ar (EPCAr), localizada em Barbacena. Tive êxito nas provas e fui admitido naquela escola da Força Aérea Brasileira. Como você bem sabe, depois transferi-me para a Academia das Agulhas Negras (AMAN), do Exército.
Acho que a minha saída de casa e de Mato Grosso levou em conta algumas condicionantes. Havia um objetivo bem definido e eu sabia para onde ia e em que condições iria viver, especialmente, no que diz respeito aos meios. Afirmo com ênfase que a EPCAr provia condições de moradia, alimentação, assistência de saúde, escola gratuita e até mesmo uma pequena mesada mensal.
Vale a pena sintetizar os seguintes aspectos que não podem deixar de ser considerados: a formulação de objetivo de curto e médio prazo; a identificação do local para onde ir; a caracterização das condições de vida que serão enfrentadas; e, por último e essencial, os meios, as fontes de recursos com que se vai contar. A bem da verdade, naquela época eu não tinha muita consciência disso. A rigor — por paradoxal que pareça — só agora, consigo dar essa interpretação e assimilar a lição. Então, o destino e a sorte foram padrinho e madrinha.
Volta ao mundo de um engenheiro em bicicleta
No ano de 2000, eu era Adido Militar (Adido da Aeronáutica, do Exército, da Marinha e de Defesa é o nome completo da função) junto à Embaixada do Brasil em Teerã, capital do Irã. Lá, tive a oportunidade de conhecer um brasileiro que estava dando a volta ao mundo de bicicleta. Ele é engenheiro formado na USP, trabalhava em uma empresa estatal de São Paulo e deixou o emprego para viver a aventura de circular em todos os continentes, pedalando.
Ele foi à Embaixada de Teerã para obter o visto no passaporte. Conversei um bom tempo com esse aventureiro. Depois da jornada iraniana (ele cruzou o Irã de Norte a Sul), ele percorreria sucessivamente — pedalando, enfatizo — Afeganistão, Paquistão, Índia, países do Sudeste asiático, e depois seguiria de avião para a Austrália.
Deve ser notado que ela deixou a estabilidade de um emprego considerado bom e com perspectivas de boa evolução profissional para enfrentar incerteza, dificuldade e adversidades imprevistas. Por que? Segundo ele, pelo sabor do desafio e da aventura, e porque tinha objetivos relevantes.
Ele era aficionado por bicicleta e, antes do início da viagem, pedalou no dia a dia brasileiro por quase dez anos. Começou a pensar na viagem e preparou-se durante cinco anos. Nesse sentido, aperfeiçoou o melhor que pôde o inglês; estudou detalhadamente o provável percurso; estabeleceu contatos em cada região em que passaria — curiosamente, deu ênfase para moças que fossem possíveis namoradas em cada país; e planejou a meta fundamental a que se propunha, isto é, angariar conhecimento e escrever dois livros; devendo-se notar que ele partiu do Brasil com os possíveis índices dos livros já prontos.
À primeira vista, ele poderia ser considerado um irresponsável. Aprofundando-se a análise, constata-se que sua façanha obedeceu a inequívoca responsabilidade, fundada na lógica e na razão.
Travessia do Atlântico pelo Amir Klink
Não sei se vale a pena me estender muito na épica travessia do Atlântico, pelo Amir Klink, remando. A estória é bem conhecida. Vale a pena recordar que ele deu partida no projeto depois de completo estudo de todas as condicionantes da empreitada.
Então ele empreendeu pesquisas ambientais, atmosféricas, marítimas, de navegação (estabelecendo, por exemplo, meios alternativos para — se todos os meios artificiais de orientação falhassem — observando os astros, não se perder), de condicionamento físico, de alimentação marinha e, entre outros, de cuidados de primeiros socorros. E por último e mais importante de tudo, ele alinhavou todos os riscos possíveis que poderiam ameaçar o sucesso da aventura. Ademais, para cada risco identificado, ele estabeleceu a ação que deveria realizar para vencer o obstáculo e seguir em direção ao objetivo colimado.
O caso do Amir Klink é o melhor exemplo de empreendimento com probabilidade de erro próxima de zero.
Trabalho do Agton no Japão
Não pretendo tratar dos detalhes da jornada japonesa do Agton. Em primeiro lugar, meu conhecimento sobre ela é superficial; e também porque estando próximo do mano, você pode conversar com ele, horas e mais horas, e assimilar os aspectos essenciais.
Eu gostaria apenas de mencionar que ele estabeleceu objetivos para ir para o Japão e fez boas conjecturas para os meios de sobrevivência à disposição naquele país.
Passagem do Delaorzinho, Sabrina e Cynthia pela Austrália.
Da mesma forma que no caso da ida do Agton para o Japão, não tenho informações suficientes para analisar o mestrado que o Delaorzinho fez na Austrália e as viagens da Sabrina e da Cynthia, no aproveitamento do êxito da experiência do noivo e irmão, respectivamente.
Isso não é problema, pois a proximidade e a consideração que todos eles têm por você facilitarão o contato pessoal e a coleta de informações que vão lhe permitir a organização do processo de tomada de decisão.
Algumas inferências
Com a análise — às vezes incompleta, às vezes superficial; e com certeza, submetidas às minhas limitações — do que considero seis estudos de caso, creio que é possível amadurecer de forma mais adequada a possibilidade de empreender uma aventura de afastamento do torrão natal e das pessoas que lhe estão próximas, pelo sangue e pela pouca distância.
Os seis casos englobam pessoas comuns (as de nossa família) e outras nem tanto (o engenheiro ciclista e o remador Klink). Se conveniente, em outra ocasião, poderei tratar também de três casos relatados no livro The smartest kids in the world: and how they got that way. Refiro-me aos adolescentes americanos Kim, Eric e Tom que, em programas de intercâmbio, passaram um ano na Finlândia, Coreia do Sul e Polônia, respectivamente.
É oportuno ressaltar que, à exceção da saída da Bahia do seu avô Oscar, todos os demais casos que mencionei se enquadram no binômio conhecimento e responsabilidade. Uma metáfora boa para esse binômio é o conjunto de variáveis que respondem às perguntas: ONDE? QUANDO? COMO E QUE MEIOS? QUE PESSOAS? QUE OBJETIVOS? QUE RISCOS? QUE RESULTADOS?
Definido o local ou os locais, cabe rigoroso estudo de tudo que tiver impacto em uma eventual ida para alhures.  A geografia (relevo, clima, cidades, população etc), a economia (custo de sobrevivência, possibilidade de emprego de estrangeiros etc), o idioma, a religião predominante e os costumes devem ser vasculhados e identificados.
O período deve ser pesquisado, especialmente, no que se refere a condições climáticas e ambientais. E também porque a volta às origens está na maioria dos casos relatados e deve ser um dos objetivos. Vale recordar que meu pai, o velho Oscar,  só voltou à Bahia depois de vinte e cinco anos sem dar notícias para a família. É um ponto fora da curva. Será que a saída dele foi uma fuga ou suas circunstâncias ditaram-lhe o que fazer? Ele nunca tratou dessa questão conosco.
Como e com que meios sobreviver se relaciona com recursos para deslocamento, moradia, saúde e alimentação — evidentemente, os meios têm importância capital, dado que sem pelo menos um bom bife semanal, a sobrevivência é improvável.
Possível contatos prévios com pessoas dos locais para onde vamos é um dos fatores mais importantes. Nunca estamos sós, por mais que, às vezes, queiramos. Permita-me um exagero: estive na Sibéria e na Antártida e, sem pessoas para interagir, haveria uma impossibilidade lógica de ter ido lá. Até onde sei — e posso estar errado —, na travessia do Atlântico, o Klink se comunicava com pessoas.
A formulação de objetivos é um dos atributos essenciais da condição humana. É por isso que não somos inanimados, não somos vegetais e nem animais irracionais. Temos a obrigação de saber o que queremos.
A análise de risco condiciona a eliminação ou redução de causas de insucesso. É a garantia da possibilidade de êxito. Saber o que fazer quando as coisas estão dando errado diferencia pessoas e explica porque alguns conseguem e outros não.
Obviamente, os objetivos são uma promessa de intenção. O que move, importa e caracteriza a vitória são os resultados. Sem definir objetivos e resultados, qualquer caminho serve (paródia de provérbio chinês).
Por último e fundamentalmente importante: você pediu meu conselho. Você me enviou um problema e eu estou devolvendo dezenas de problemas, todos sem solução. Sei que isso é terrível. Mas não consigo olhar essa questão de outra forma. Você não deve e não pode transferir a responsabilidade de sua decisão para outros, por mais confiáveis que sejam. A decisão e a responsabilidade são suas. O que posso oferecer? Ideias para reflexão, amadurecimento e formulação do processo que lhe interessa. É o que tentei.

Então, assevero: feita a análise, submetidos os resultados à reflexão, caracterizados todos os aspectos essenciais e identificadas as vantagens e desvantagens, se você chegar à conclusão de que o projeto é viável e bom para você, minha opinião é que você não deve hesitar e deve seguir em frente.

domingo, 28 de junho de 2015

A verdade

Um participante de grupo de discussão política pela Internet, sem que eu soubesse, incluiu meu e-mail no conjunto de destinatários de suas mensagens. Passei a receber matérias indesejadas. A análise dos textos que têm circulado mostra que, de um lado, os defensores de Lula fazem severas acusações a FHC. De outro, os aficionados de FHC fazem severas acusações a Lula. Pareceu-me tratar de pessoas com escolaridade superior, mas mergulhadas nas emoções e miopias de quem só enxerga as virtudes de sua facção e os defeitos da oponente. Então, enviei ao grupo o seguinte mensagem:

"Prezados senhores,
Há pessoas que amam Stalin, odeiam Hitler e desconhecem, ignoram ou abominam a verdade.
Há pessoas que amam Hitler, odeiam Stalin e desconhecem, ignoram ou abominam a verdade.
Há pessoas que amam FHC, odeiam Lula e desconhecem, ignoram ou abominam a verdade.
Há pessoas que amam Lula, odeiam FHC e desconhecem, ignoram ou abominam a verdade.
Há pessoas que amam a verdade!
Eu gostaria de interagir apenas com pessoas que amam a verdade.
Cordiais saudações, 
ARS

PS. Afirmo -- corrijo-me, se necessário --, ressalto e enfatizo: não pretendi e nem tive a intenção de comparar os líderes brasileiros com os líderes soviético e alemão; até porque estes foram hediondos e portanto incomparáveis. Comparei sim, a atitude de adeptos de líderes, sejam eles bons ou maus, hediondos ou não. Quanto a serem bons ou maus, é uma questão de preferência pessoal, condicionada às componentes genéticas, psicológicas e intelectuais, bem como à capacidade de juízo crítico de cada um."

sábado, 20 de junho de 2015

Pais autoritários ou pais com autoridade?

          No livro The smartest kids in the world: and how they got that way, a jornalista americana Amanda Ripley afirma que 

         "os estudiosos que pesquisaram as formas de criação de filhos dividiram os vários estilos de pais em quatro categorias básicas: Pais Autoritários, Pais Permissivos, Pais Negligentes e Pais com Autoridade.
          Os Pais Autoritários são disciplinadores rígidos, para os quais vigora o 'porque eu estou mandando'. 
          Os Pais Permissivos tendem a ser tolerantes e avessos ao conflito. Agem mais como amigos do que como pais. De acordo com alguns estudos, os Pais Permissivos tendem a ser mais ricos e ter um grau de instrução mais alto do que o de outros pais.
          Os Pais Negligentes são exatamente o que parecem ser: emocionalmente distantes e quase sempre ausentes. São mais propensos a viver na pobreza.
          Os Pais com Autoridade são habitantes de um doce ponto intermediário entre os pais autoritários e os permissivos. São afetuosos, compreensivos, próximos dos filhos, porém, à medida que as crianças vão ficando mais velhas, esse tipo de pais lhes dá a liberdade para efetuar descobertas, arriscar e fracassar e fazer as próprias escolhas. O estilo de criação de filhos dos Pais com Autoridade também é caracterizado por limites claros e bem definidos, regras que não estão sujeitas a negociação."

          As perguntas que hesitam em se calar: 
          (i) que tipo de pai eu sou? 
          (ii) quais as consequências de minhas ações para minhas filhas? 
          (iii) se eu perguntasse para minhas filhas que tipo de pai eu sou, qual seria a respostas delas (aliás, farei essa pergunta)? 
          (iv) independentemente do universo no qual eu me enquadre, o que posso fazer para alterar meu comportamento e melhorar a forma de orientação de minhas queridas filhas? 
          (v) o que estou fazendo para divulgar a tipologia formulada pelos cientistas? 
          (vi) enfim, o que estou fazendo para melhorar o mundo que me rodeia e, sobretudo, que rodeia as crianças lindas que ao se tornarem adultas darão prosseguimento à gestão da amostra social a que pertencem?

A punição de Neymar e os parafusos trocados

[Matéria acolhida pelo jornal O Estado de São Paulo e divulgada no Fórum de Leitores de seu portal eletrônico, em 23/Jun/2015]

Analisando-se os eventos do jogo Brasil e Colômbia, na Copa América, no Chile — e considerando jogos que o antecederam —, é certo inferir que o Neymar estava em estado de completo desequilíbrio emocional e que o problema requereria diagnóstico médico. É razoável também asseverar que faltam lideranças na seleção brasileira, capazes de fazê-lo voltar ao prumo e, nesse caso, o assunto migraria da medicina para a gestão esportiva.
No que concerne às consequências dos atos do atleta nos dois jogos do certame, constata-se que retirar o excesso de espuma em volta da bola, tocar a bola com a mão — de duvidosa forma voluntária ou involuntária — e dirigir-se com incivilidade ao juiz da partida transgridem, ofendem e maculam o estatuto vigente.

Até aí, tudo bem! Agora, quebrar a coluna do atleta (o que ocorreu no jogo com a mesma Colômbia, na Copa do Mundo, em 2014), pisar-lhe a mão e elevar o pé até a altura de seu rosto — um átimo de segundo antes do duvidoso gesto que lhe ocasionou penalidade —, independentemente de ser ação voluntária ou involuntária, não transgridem o estatuto vigente e, portanto, ficam impunes? Pode até ser! Porém, ofendem o bom senso, a lógica, a razão e a inteligência. Aristóteles formularia exemplar silogismo e inferiria: então, os parafusos estão trocados.