quinta-feira, 29 de março de 2018

Presunção de inocência

Ontem, no julgamento do Habeas Corpus impetrado pela defesa de condenado a 12 anos de prisão, o Decano do STF, Doutor Ministro Celso de Melo proferiu uma aula Magna sobre a “presunção de inocência”, a condenação após a sentença atingir a condição de “passada em julgado” e o respectivo encarceramento somente após esse marco processual. Ao tentar demonstrar que alguém, condenado de forma unânime, em segunda instância, por colegiado de juízes, tem a inocência constitucionalmente presumida até esgotar todas as instâncias recorríveis, aquele notável Doutor Ministro consignou de forma sábia a presunção de burrice para todos os cidadãos que se dispuseram a assistir ao histórico julgamento do STF e que impactará a sociedade nos próximos 20 anos, para o bem ou para o mal.
Sua irreparável aula Magna citou as declarações de direitos humanos, bem como os grandes juristas europeus, como amparo à sua peroração em favor da sentença passada em julgado em todas as instâncias da República. Ele teve apenas um lapso de memória: em todos os países organizados ou não, europeus ou não, o condenado é encarcerado logo após o julgamento em primeira instância e em uns poucos países, em segunda instância.

Esse notável Doutor Ministro prefere o processo judicial brasileiro que admite quatro instâncias e dezenas de recursos — garantindo aos poderosos o cumprimento da pena somente 10 a 20 anos depois da condenação; e, em vários casos, garantindo a prescrição da pena. Evidentemente, que a escolha e investidura dos Doutores Ministros da suprema corte brasileira é um dos processos nacionais a requerer transformação para que possamos ter otimismo para a herança a ser deixada para as próximas gerações.

Violência inadmissível ou farsa?

[Mensagem divulgada no Fórum de Leitores do portal do Estadão em 31/Mar/2018]
O editorial “Violência inadmissível” (29 de março, A3) apresenta uma análise inquestionável e quase completa sobre o lamentável episódio ocorrido em Curitiba, envolvendo a comitiva de um cidadão condenado a 12 anos de prisão, em segunda instância, por colegiado de juízes, sem possibilidade de revisão do mérito do crime e/ou da sentença.
Gostaria de acrescentar que uma investigação isenta não pode deixar de considerar a hipótese de que o deplorável evento pode ter sido perpetrado por correligionários do cidadão condenado. Senão vejamos: (i) o possível auto-atentado foi previsto em matérias jornalísticas em janeiro do corrente ano; (ii) as fotos do ônibus amplamente divulgadas mostram que a forma da perfuração jamais pode corresponder à narrativa construída e abraçada pelos formadores de opinião e por políticos, ou seja, que o ônibus fora atingido em movimento.

Supondo que a hipótese ora aventada venha a se confirmar, as ideias fulcrais que o texto do Estadão veiculou continuariam válidas, exceto pelo fato de que a razão de um lado não dependeria de “contorcionismo retórico” e os interesses desconectados da decência e da ética se diluiriam na rede sanitária. E o melhor: a verdade praticada em liberdade prevalece e a democracia triunfa; para gáudio da grande maioria que aspira harmonia e solidariedade nas interações humanas.

Conspiração contra a democracia

         O cidadão Lula da Silva foi condenado em segunda instância, por decisão unânime de colegiado de juízes, sem a possibilidade de revisão do mérito da sentença, por ter cometido crime contra a sociedade. E se a Justiça não interviesse de forma questionável e ele estivesse preso? Não é o pensar e o agir de forma decente e justa que conspira em favor da liberdade, da verdade e da ética e, por extensão, em favor do equilíbrio e harmonia das interações humanas?    

Indagações a responder

[Publicada no Fórum de Leitores do Estadão de 30/Mar/2018]
A propósito dos disparos de arma de fogo em ônibus da comitiva do Sr. Lula da Silva, por ocasião de sua passagem por Curitiba, capital do estado do Paraná, em pré-campanha política atinente à eleição presidencial de outubro de 2018, são pertinentes os questionamentos apresentados a seguir.
Cidadão criminoso condenado em segunda instância pode estar em campanha política? E se o STF não tivesse interferido de forma questionável, não estaria, o cidadão criminoso, preso? Disparo que atinge um ônibus em movimento faz o buraco circular ou elíptico? Projetil que entra em uma perpendicular ao plano que contém a lateral do ônibus pode ter sido atirado quando o ônibus estava em movimento? A probabilidade disso ocorrer é maior ou menor do que ganhar na loteria?

O pré-candidato melhor colocado nas últimas pesquisas estava hoje em Curitiba e depois em outras cidades paranaenses, foi recebido por milhares de pessoas, e nenhum órgão noticiou o evento — não é no mínimo estranho que isso ocorra? Não está uma parcela de  brasileiros (cidadãos comuns, políticos e operadores da justiça) pensando e agindo de sorte a conspirar contra a democracia?
[Colaboração: I. R. Souto]

sábado, 17 de março de 2018

Memória: missão irrenunciável

"O lavrador perspicaz conhece
o caminho do arado."

A autonomia humana é inversamente proporcional às dúvidas concebidas. Quem acha que sabe muito não tem a liberdade de ser autônomo. O debate coletivo sobre temas políticos, religiosos e esportivos tendem a despertar sentimentos que habitualmente estão imersos no insondável de expressiva parcela de mentes. É conveniente não ultrapassar a fronteira. Se há alguma probabilidade de confusão, ela ocorrerá!
Permitam-me mencionar que saí de casa aos 7 anos de idade. Meu pai, um lavrador semianalfabeto teve a coragem para me botar em uma pensão para estudar na metrópole de Rochedo, com seus 1,2 mil habitantes; de tal sorte que meu contato com a família ocorria a cada dois ou três meses. Depois de 2 anos, o velho desfez-se do pouco que tinha, renunciou ao que sabia e gostava de fazer —, e se mudou para a cidade que me acolheu, para que meus quatro irmãos também pudessem estudar. Daí, ele evoluiu um pouco. Tornou-se sucessiva ou concomitantemente, tabelião do registro civil, comerciante, juiz de paz e presidente do então Partido Social Democrático, o antigo PSD que rivalizava no País com a então União Democrática Nacional, a antiga UDN.
Naquela época, meados da década de 1950, o velho tomou contato com a política e com os políticos — uma vez que era baiano da roça conversador, mas modesto; ousado, mas prudente e oportunista; iletrado, mas conhecedor das sendas e atalhos trilhados. Ele travou conhecimento com duas figuras exponenciais: Filinto Müller e Juscelino Kubitcheck. O primeiro chegou à condição de senador e líder de governo; a despeito, para alguns opositores, de ter sido Chefe de Polícia de Getúlio Vargas. O segundo dispensa comentários; com ele, acho que meu pai teve apenas dois contatos — um deles na convenção regional do PSD em Cuiabá (o coroa guardava com muito cuidado a foto tirada ao lado do então candidato à Presidência). Mais tarde, aí pelos meus 13 a 14 anos, fiz uma crítica ao JK. O velho me deu um chega pra lá, que eu jamais esqueci. Meu pai me asseverou que a atitude enérgica não era porque ele admirava aqueles personagens, mas resultava da necessidade que eu tinha de usufruir a liberdade, sem jamais macular a verdade, ambas essenciais à democracia, que segundo ele, era o destino do ser humano (disse aproximadamente isso, com outras palavras). Pensando na atualidade, não resta dúvida de que ele admirava, respeitava e se orgulhava daquelas pessoas.
Porém, para ele, a política foi passaporte para a educação da prole, mas deixou marcas desalentadoras e de desencanto.
Ele iniciou a venda de gasolina em Rochedo. Não com um posto, mas com uma simples bomba de gasolina que depois recebeu ampliação de meios. Pois bem, levaram para ele a proposta de nomeá-lo encarregado da ampliação e manutenção do trecho de rodovia entre Campo Grande, Rochedo e Rio Negro, que ficava a quase 200 quilômetros da primeira — o Estado foi dividido décadas mais tarde e Campo Grande se tornou a capital. Tratava-se de obras públicas executadas por administração direta pelo Departamento Estadual de Estradas. Mas havia uma condição para a investidura: meu pai receberia combustível do governo do Estado; aplicaria um percentual nos trabalhos que seriam definidos ao longo do trecho rodoviário; e revenderia a outra parte, entregando os rendimentos para o político que apoiava a região, era candidato à reeleição e arquitetou o esquema.
Uma outra razão estava conectada à primeira. Como presidente do PSD, o velho teria que orientar um processo de fraude — durante o período que medeia o fim da votação e o transporte das urnas, no dia seguinte, para Campo Grande — à noite as cédulas seriam trocadas, com votos que contribuíssem para a (re)eleição daqueles que faziam parte do grupo de anjos salvadores.
Evidentemente, cioso do sentimento de que deveria educar os filhos através do exemplo, ele recusou as propostas e abandonou a militância política. Sem saber e querer, ele praticou uma das máximas de Stephen Hawking: “Não importa quanto a vida possa ser ruim, sempre existe algo que você pode fazer, e triunfar. Enquanto há vida, há esperança."
Agora, convém dar um salto de volta ao passado. No ano 64 a. C., o romano Marcus Tulius Cicero concorreu ao cargo de Cônsul, o mais alto da República. Ele tinha 42 anos, era orador brilhante e muito bem sucedido, mas não pertencia à nobreza. Qualquer cidadão masculino podia concorrer, mas a condição nobiliárquica, o poder econômico e as indicações políticas e sociais eram fundamentais para o sucesso em seu intento. Não raro, ocorria corrupção e violência nas eleições romanas. O irmão mais novo de Cícero, o militar Quintus Tullius Cícero escreveu-lhe uma carta que foi chamada de Commentariolum Petitionis, que era uma espécie de manual de procedimentos para chegar ao objetivo acalentado. Um extrato desse documento foi traduzido por Philip Freeman  e publicado nos Estados Unidos com o nome de "Little Handbook on Electioneering". Freeman fora observador e assessor de candidato à presidência americana na época das eleições dos presidentes Bush, Clinton e Obama.
Em realidade, Quintus orientava seu irmão Marcus (em geral, muito referido nas fontes atuais apenas como Cícero) no que diz respeito aos processos, técnicas, procedimentos, rotinas e formas de agir para ganhar a eleição. Pode-se — à guisa de síntese, e com a superficialidade ora requerida — afirmar que a orientação deveria estar focalizada não apenas nas ações republicanas, mas também naquelas não republicanas, ambas amparadas em favores, expectativas e interações pessoais. Então, se preciso fosse, era conveniente explorar a boa fé, as necessidades e as expectativas das pessoas, ludibriando-as se necessário. Era conveniente manter os amigos nas proximidades, mas era fundamental manter os inimigos mais próximos ainda.
Esse texto foi, na década passada, arrancado da poeira do tempo pelo escritor Freeman para mostrar que os malfeitos dos políticos americanos não eram novidade, pois a prática remontava à Roma antiga. Em realidade, esse escritor tratava de enfatizar as  orientações contidas no texto de Quintus para combater os procedimentos dos políticos americanos — ou para aperfeiçoá-los a seu modo. A autenticidade desse documento é contestada por alguns scholars. Entretanto, mesmo se falso, os ensinamentos que ele contém são aplicáveis a qualquer período da História e a qualquer país, onde existe a figura do político.
Assim, na civilização romana antiga e na moderna, em Roma (lá mesmo, pois!) em Rochedo, em Nova Iorque, em Teresina e onde quer que se queira, os políticos se parecem, ultrapassam as fronteiras do razoável; na véspera da eleição, parecem tudo o que eleitor quer; trapaceiam de forma despudorada; agridem a ética e os bons costumes.
Enfim, o documento romano mostra que a unificação que Einstein queria na Física ainda não foi conseguida, mas foi obtida na política, a partir da proposta de Quintus para o irmão —  que, depois Machiavel sistematizou. A comprovação está em testemunhos inquestionáveis:
  Cícero (que foi eleito em Roma com maioria absoluta);
  os  americanos   Clinton  (o  fumador  do  charuto),    Bush (aquele que teve menos votos que o adversário, e teve a eleição a eleição contestada no colégio eleitoral, que é realmente quem decide) e Trump (o que prometeu coisas impossíveis);
  os brasileiros  que  adotaram  a  reeleição presidencial (não se sabe a que custo);
  os Anões do Orçamento;
  os pais e a mãe do Mensalão e do Petrolão; e finalmente,
  qualquer dirigente político brasileiro, cuja capitania — por exemplo, o Piauí e Alagoas — tem o IDH no fundo do poço e, em particular, a classificação em Educação entre os piores dentre os países melhor organizados do mundo (membros e parceiros-chave da OCDE, num total de cerca de 70 países).

Dito isso, dou por bem dito, afirmado e irrenunciável. Mas por que? Quero inferir que compreendo a reação de meu falecido pai — até hoje, respeitado pelos cinco filhos, como alguém que viu e enxergou longe e, malgrado as imperfeições da condição humana,  trilhava sendas que eram pavimentadas pela decência e a pela ética.

Como Dostoievski proclamou: “Somos responsáveis por tudo e por todos!” Estamos no momento de lutar pela alternância de poder no Brasil. O combate é incerto e desproporcional. A soma da comunicação (expressa pela mídia e por artistas), dos valores básicos (sistematizados por intelectuais) e da gestão (sob a responsabilidade dos políticos) — claro, uma parcela minoritária, mas maioritariamente atuante — colocam o objetivo no limiar da beleza do impossível. 
Mas a esperança não a perdemos jamais! Mudar é o primeiro passo! Transformar é imperioso! E a missão é irrenunciável!