sábado, 5 de maio de 2018

O regime de 64 e Bolsonaro

Usei-o [o Poder], sim, para salvar as instituições, defender o princípio da autoridade, extinguir privilégios, corrigir as vacilações do passado e plantar com paciência as sementes que farão a grandeza do futuro [...].
(Marechal Humberto de Alencar Castelo Branco)
Em relação ao artigo “Volta à ditadura pelo voto” (Estadão, 5 de maio, A2), do Sr. Miguel Reale Jr., professor da USP (talvez fosse melhor mencionar professor doutor), praticante de taramelas na Associação Paulista de Letras e ex-Ministro da Justiça, é imperioso que se submeta o texto à possibilidade do contraditório. Afinal, uma autoridade desse naipe falando a verdade ou a falsidade, testemunhando a justiça ou a injustiça, propalando a ética ou a safadeza, nada impactaria em uma sociedade minimamente organizada, mas tem um estratosférico efeito no universo das pessoas que herdaram o país do PSDB e do PT, com índices de corrupção, desemprego, fome e encarceramento de autoridades jamais vistos na História da Humanidade. Ou seja, submerso em uma crise fatídica, genética e originariamente moral. ‘Ah não! A culpa é dos militares’— diria o iluminado professor doutor. Acho que não! Eu diria. Vejamos as razões.
Comecemos pelo início — eu disse começar pelo início, senhor professor doutor! O título sugere que podemos asseverar ‘volta à democracia pelo voto’. Não foi isso que ocorreu no governo ao qual o professor doutor serviu como Ministro? Sim, mas esse governo liderado por quem é considerado um dos maiores intelectuais da história do Brasil, legou para a posteridade um sistema educacional que coloca nosso país entre os piores em que faz sentido realizar essa avaliação (PISA), ou seja, entre os países membros e os países parceiros da OCDE. Sim, mas esse governo permitiu sua continuidade na democracia pelo voto, deixando-se substituir pelos titulares do maior escândalo de corrupção da história da humanidade — ou os próceres dessa façanha estão encarceradas de brincadeirinha no período da democracia pelo voto? Sim, mas o professor doutor sabe, mais do que todos,  que o aprendizado se propaga e o governo a que serviu deu início a um período em que se ‘conquistou’ a reeleição presidencial por processos virtuosos que teve continuidade no Mensalão e no Petrolão. Ou não? Ou tudo é virtude no cérebro face da Lua do professor doutor? ‘Cérebro face da Lua’ é um neologismo para designar aqueles que têm a faculdade de praticar a verdade apenas com os impulsos de um lado da massa cinzenta. Do outro lado, a massa é cinzenta porém desprovida de conexões sinápticas.
Agora vamos pro meio — assim fica fácil; não é senhor professor doutor? Há várias considerações econômicas no exulcerante texto (não omitam ou substituam a palavra adjetivante, ela existe; adjetivante é que não existe), atinentes ao período militar, tais como: “manifestação em favor das eleições diretas e contra a desastrosa política econômica”, “trágica situação econômica”, “profunda carestia, com inflação galopante e redução drástica do PIB”, “inflação maior do que 10% e PIB negativo”. 
O eminente professor doutor se esqueceu de mencionar, em sua titulação, a especialidade em economia. Engano fatal. Até porque se não tivesse essa omissão — no currículo ou na mente — teria mencionado que o período militar tirou a economia brasileira da 48a. para a 8a. posição; criou a EMBRATEL, a TELEBRAS, o INSS, o PIS, o PASEP, a regulamentação do 13o. salário, o BNDES, o Banco Central, o PRO-ÁLCOOL, a EMBRAPA, o FUNRURAL, a Secretaria do Meio Ambiente (origem do Ministério correlato); instituiu o programa merenda escolar, o CNPq, a FINEP; implantou 15 universidades; asfaltou mais de 40.000 quilômetros de estradas; construiu mais de 10 hidrelétricas (inclusive Tucuruí e Itaipu) e 2 polos petroquímicos; elevou a produção petrolífera brasileira de 75.000 para 750.000 barris diários (sim, é isso mesmo; por intermédio da Petrobras, que os governos face da Lua das últimas décadas conspurcaram, enlamearam e tornaram-na vergonha do caráter nacional — corrijo-me: o caráter nacional não é moldado pelos petistas e peemedebistas que estão na jaula e pelos que acrescidos dos peessedebistas ainda serão devidamente encarcerados); multiplicou por uma dezena o número de alunos nas escolas fundamentais e médias e universidades (‘a mais a qualidade do ensino...!’, diria o professor doutor. Ah não! Digo eu. Essa deturpação é responsabilidade da trindade santa, PMDB, PT e PSDB — o senhor participou da criação de quase todos, não é professor doutor?).
Já dá para começar a ir para o fim — por favor, professor doutor (‘prodou’ para ficar mais digerível), não estou asseverando começar do fim! Em realidade, vou começar indagando. O ‘prodou’ sabe o que aconteceu na Rússia nas décadas de 1910 a 1950? Sabe, claro que sabe. O ‘prodou’ sabe o que aconteceu na Alemanha nas décadas de 1930 e 1940? Similarmente, sabe; só não vai admitir que os militares brasileiros ajudaram a extirpar o nazismo do cenário global e impediram a implantação do comunismo no Brasil. O ‘prodou’ sabe o que aconteceu na Colômbia nas décadas de 1970 a 2000? Dúvidas não há; o ‘prodou’ é sabido, mas alguns não. 
Com erro estimado em 10 a 20%, pra mais ou pra menos, o que para a hipótese é razoável, poderíamos estimar em 10 milhões de torturados e mortos na União Soviética (aí incluídos os milhões de assassinatos por fome na Ucrânia), 6 milhões de torturados e mortos na Alemanha (restringindo-se apenas a judeus e assemelhados), 100 mil torturados e mortos na Colômbia (parte da imprensa brasileira divulgou 220 mil sacrificados). Incluir a turma com quem o Mao (que era mau não apenas no nome, mas também na retórica e na ação), Pol Pot e Fidel Castro não prejudicaria a compreensão do demógrafo economista ‘prodou’, mas entediaria os demais leitores.
Tá vendo, já não sei mais onde estou ...! Sim, lembrei! As barbaridades do regime militar brasileiro existiram? Sim. Muitas? Depende. Se levar em conta o que, no século XVII, o que o poeta britânico John Mayra Donne asseverou, é irrelevante se muitas ou poucas. Afinal, “quando alguém se vai, os sinos dobram por todos”(Hemingway apenas copiou Donne, sabiamente!). Que me desculpe o poeta, mas entre os que se foram e os que não foram idos, eu fico com estes. Os russos, os alemães e os colombianos fizeram a opção de lutar continuadamente. 
Os militares brasileiros fizeram a opção de, em pouco tempo, sacrificar uns poucos para que muitos não fossem sacrificados. Fala-se em 450 mortos da parte que queria implantar o comunismo no Brasil. Fico sempre na dúvida se entre estes estão incluídos os que foram justiçados pelos próprios comunistas, isto é, pelos próprios companheiros. É! Eles se mataram também! Fala-se em 120 mortos da parte dos vencedores — quer dizer, os perdedores jamais falam das perdas dos oponentes, não é professor doutor? Retorno à denominação original porque minhas herdeiras, todas menores de 15 anos, afirmaram que a forma neologística desvaloriza o argumento. Fala-se em uns 900 a 1200 torturados, porém mais de 20.000 requereram indenização e tiveram apoio da Comissão que o notável professor doutor se orgulha de ter presidido. Por que o senhor professor doutor não aceitou avaliar também as mortes covardes que o outro lado perpetrou?
Vamos lembrar Bertold Brecht, professor doutor? Ele disse: 
“Quem luta pelo comunismo tem que poder lutar e não lutar; dizer a verdade e não dizer a verdade; prestar serviços e negar serviços; manter a palavra e não cumprir a palavra; .... Quem luta pelo comunismo tem de todas as virtudes apenas uma: a de lutar pelo comunismo” (deixo de citar no original, que li, porque minhas herdeiras lerão e elas ainda não estão habilitadas no idioma). 
Gostou, não é professor doutor! Eu sabia! Pode gostar, mas convém substituir a palavra comunismo por fanatismo, indigência de caráter, etc. Nem precisa ser exaustivo.
Tamos começando a chegar ao fim. Pegar frases soltas do Bolsonaro e construir uma narrativa, como fez o professor doutor, valendo-se da força do meio, o respeitável Estadão, será que é razoável? É, pode ser! Desde que, em conjunto com as frases, fossem colocados, de forma lógica, racional e proba, o contexto e as demais informações essenciais que permitissem (ou não!) que a partir da integridade, da sabedoria e do caráter do formador de opinião, os leitores de boa fé — dentre os quais, ressalvadas as imperfeições da condição humana, me incluo — pudessem certificar e comprovar a assertiva de Brecht; e pudessem continuar aspirando e sonhando com uma Nação e uma sociedade fraterna, solidária e justa, bem como continuar lutando pertinazmente para conquistar esse objetivo; fundamentando a luta na retórica e na prática da verdade, da liberdade e da ética, que são os mais importantes valores para a construção da democracia. Sócrates se contorceria onde se encontra e diria: 
‘Valeu a pena entornar a taça de cicuta sem fazer concessões! Seria uma epopeia edificante para os brasileiros, se fosse em Curitiba. Bom, em Atenas foi uma forma de criar uma civilização e lá seria uma forma de tentar a salvação, sem absorver o conteúdo de outra taça!’, apud apologia concebida por Platão e agora manipulada em Rochedo.

Atenciosamente,
ARS

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PS. Considero pouco provável que o Estadão divulgará esta mensagem no Fórum de Leitores, como já fizera com uma parcela (menos de 50%) das mais de cem mensagens que enviamos. Porém, tenho a expectativa de que o texto chegue ao autor do artigo que provocou estes comentários.

É preciso que o autor saiba quem sou. Sou nada. Aos 5 anos, meu pai, lavrador semianalfabeto me ensinou uns garranchos. Reclamei que não conseguia fazer as contas no papel, e ele disse que era para fazer de cabeça como ele, pois com o lápis ele não sabia. Aos 5 anos e meio, ele comprou uma enxada pequena e disse que a partir de então eu iria ajudá-lo na roça, nas tarefas da lavoura. Aos 6 anos, ele disse que teríamos uma conversa séria. Eu precisava decidir se queria ter uma vida meio tranquila, ou queria ficar no cabo do guatambu igual a ele, a vida toda. Respondi que queria uma vida tranquila.

Então, ele disse que eu teria que estudar, mas aí teria dois problemas. O primeiro: eu me mudaria para uma pensão na cidade de Rochedo, com seus 900 habitantes, e só veria os pais e os irmãos de uns dois em dois meses. O segundo: ele não podia pagar o valor da mensalidade, então eu deixaria de dormir na cama com colchão que ele fizera com suas próprias mãos, e passaria a dormir na rede, em um corredor da pensão. Nessa condição, a proprietária poderia cobrar a metade do preço, e aí ele poderia pagar. Confirmei: disse que queria estudar.

Aos sete anos, saí de casa em direção a meu destino, carregando comigo os alicerces de meu caráter e de meus valores — que me permitem olhar com enorme encantamento a atitude de Sócrates, Donne e Brecht (pela integridade deste, a despeito de seu comunismo; a rigor, não tenho detalhes de sua vida, mas nem é necessário, pois haveria o risco de ter que mudar de opinião); e que me possibilitam olhar com enorme tristeza o que os políticos, intelectuais e outros formadores de opinião fazem em nosso maltratado país. Meu posto militar, as graduações e pós-graduações, e várias outras coisas mais, são irrelevantes.

Para mostrar como um pai e o Exército mudaram a vocação inicial de uma criança — que era passar a vida no cabo do guatambu trabalhando a terra — e para que não exerça a covardia de me esconder nas mazelas de minha infância, das quais sinto muito orgulho, menciono que sou oficial general da reserva das invictas e imorredouras Forças Armadas brasileiras.

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